segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Meu eu em acalanto


"De que me adianta fugir do cárcere, se me encontro só e ninguém se aproxima em acalento.
E quando abro-me para abraçar, me encontram com lanças.
A pouco era o fim.
Não sabia se abria-me ou trancava-me logo de uma vez por todas.
Pensei aos prantos: Ficarei no meio termo, ficarei entre eu apenas.
Decidi por abrir-me apenas para mim.
Não me compreendes tu?
Hora acordo cedo e vejo que valho muito, e pouco me pagam os que abrem meu peito. Ora, penso que sou melhor para mim, sendo só. 
Só fui feita para mim então?
E todo ímpeto de generosidade que nasceu comigo e sempre quis brotar?
Generosidade, que chamei de amor. Amor recusado, recluso buscando voar, sempre perdeu asas.
Piso em sementes e não deixo-as florescer mais. As flores tão belas, porém em truculência me doem, dor atroz fazendo-me refugiar-me em ti,  próprio peito consolador."

sujeira

"A janela se abriu e os olhos não. Todos se fecham, prisão perpétua da carne. São esses que vivem em cubículos e mansões, e se empanturram sob sangue derramado que me comovem e me apedrejam. 
Olhos que piscam, porém ralentados, veem apenas o que lhes propõe os reis da barriga cheia.
Minha janela embaçada, aos poucos fez-se limpa, sem sangue segue patas, pedindo socorro. E eu, coitada, pequena que sou, peço perdão pelas poucas patas que posso socorrer.
Mas piso firme, e sigo forte para não me apetecer do sangue vão.
Minha janela está limpa, porém vivem a sujar-me a pele."

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Incompletude

"E na minha estupidez, vi o meu redor, com olhos já cansados, como quem carrega cem anos a mais que o mundo no olhar.
Era escuro, empoeirado, cabelos prateados, rugas e cair de dentes.
Como não me embrutecer? Sim, creio nos meus ideias.
Mas foi natural esse fazer ficar bruto o que um dia já, macio, risonho se fez pó.
Ocasionei o embrutecimento de me tornar estúpida, doce, azeda...
Foi assim que me deitei abaixo e demoli meu ímpeto.
Cheguei a ruína, arruinada. Busquei fazer desaparecer todas essas minhas desavenças sucessivas desmoronando o que sou no instante, recém-criada.
E ao cair, vindo abaixo com estrondo: desmoronou-se (ou desmoronou-me) uma porção de nós, de mim. E ao perecer, aniquilo-me.
É o império de sonhos que desmorona. Meu, unicamente meu, na minha incompletude.
E me deparo (mas não paro) com devaneios, utopias. E olho ao lado, pessoas, seres, coisas. Coisas vãs, fúteis, que se esvai: a vida é mais que isso. Mais que prazer, arder, gemer. Mais além, que ideia acalentada, ideal.
Desejo intenso e vivo, da própria vida e além-vida mundana que de esvai.
A parte que provo da vida é mais amarga que o seu bolo de farinha e ovos, muito fofo, e revestido de açúcar... porém é muito mais profunda que o oco do seu estômago adocicado. "

sábado, 29 de junho de 2013

Mausoléu


"Se tu me tiveres por completo. 
E eu de ti uma fatia... prometes que ao fim tudo se desfaça?
Já sei, sou fumaça a esvaziar, seus pulmões de mágoas, seus pesares e pormenores.
Sei sim, sem remorsos dormes em paz.
Ah, voa então...Que eu me enterro
Mas não faz mal, sou seiva bruta
Nem toda flor é macia, nem todo amor é carnal
Ah, vá em frente...não faz mal
Que nem todo amor é real, nem todo homem animal, nem de toda boca punge fel
Ah, venha cá... e estás no céu
Sei bem que o inferno é aqui. Sei bem que bem tu me enterraste em frio mausoléu. 
Eu sei bem, não sou melhor que ninguém
Pra ti não valho um vintém
não me acho mais bela também
Mas força eu tenho! Mas forte eu sou!
Sou eu luz nas trevas, metade flor metade ferro eu sou."




domingo, 16 de junho de 2013

Escorregadio


Chove forte em casa.
Chove dentro de mim.
Chove que é pra lavar todo caos.
Chove Deus, e me leva pro ralo do fundo do mundo. 
Sou pura água, sem cor, sem cheiro, sem gosto... mas só eu sou vida. 
Me sinto vida invisível e quero escorrer.
Quero escorrer com pressa pra longe.
Quero ser sugada, pelo poço escorregadio do mundo.
Quero me esconder de baixo da terra aguada.
E de lá não ouvirão meus lamentos.
Quero ser adubo.
Não quero virar lodo grudado nos bueiros.
Quero escorrer tranquila.
Sem velas, sem choro.

sábado, 15 de junho de 2013

Murmúrios



Eu escrevo o que eu sinto, escrevo o que eu vivo, eu me escrevo.
Triste ou risonha, essa sou eu, agora. E não vou mentir.
Gosto de ser eu, de pensar eu, de escrever eu, de criar eu, de viver ou morrer eu.
É isso. 
E sou isso.
Sou por muito tempo triste, mas serei ainda muitas coisas.
Se escrevo é porque sou.
E escrever me liberta um pouco do pesar das minhas mágoas.
Me desculpe a quem importuno com meus murmúrios.
É que me perdi, estou tentando me reinventar, criar outra de mim. É o que os artistas fazem, não é. (?)
Se não é, sou eu, apenas, e não me importo.
Me sinto um grãozinho miúdo na multidão tentando mudar o mundo gigante, mas sou também um grão gigante tentando mudar esse mundinho de nada.

De grão em grão eu recrio o mundo
Ou ao menos o meu mundo
Ou ao menos eu.

Teu pesar



"É preciso olhar nos olhos 
que com tamanha coragem me enfeitiçaram 
e me enganaram durante tanto tempo.
E entregar as lágrimas 

que doem nos meus olhos.
E despejar todo esse peso 

que ele me deixou.
Todo o pesar que me afunda 

para o chão e além - chão.
É preciso entregar nas tuas mãos 

esse peso que sinto 
e que não pertence a mim."

Oração de uma filha em prantos

Deus, papai do céu tão querido!
Abre meu coração para uma vida nova.
Me encoraje diante do medo, me mostre por onde recomeçar, me tire das cinzas e guie meus passos hoje tão perdidos.
Mãe Maria, tão amada mãezinha!
Interceda por mim junto ao teu Santo filho Jesus, clareia minha alma tão escura, cheia de medo e rancor.
Apaga toda dor que carrego, toda a raiva e sentimento ruim.
Quero ser alguém melhor Mãezinha amada!
Quero ter o coração puro de novo.
Abençoa aqueles que oram com tanto zelo por mim.
Abençoa também aqueles que me fazem mal e cura a eles com teu Manto Sagrado.

Amo e confio em ti, meu Deus!
Amo e confio em ti, Jesus!
Amo e confio em ti, ó Virgem!

Amém.

Espinhos



"Quando criança, sonhava em ser flor. A vida furou-a com espinhos. Desistiu, então.
...
Desistiu das flores, das cores, dos risos e afins.
Plantou flor, colheu marfim.
Chorou dor, choveu forte em seu jardim.
Choveu pedra.
Como aquilo que hoje já não bate nem faz sangue em seu corpo.
A flor virou oco.

Não sorri, 
Mas para quê mostrar os dentes?
Lembrava quando era criança, sempre florida
Cresceu, e logo a vida lhe podou.
É espinho, dói. 

Doeu, agora congelou no tempo.
Desistiu até da dor."



Vago

É só mais um dia vazio.
Logo seguirei sem rumo, como tem que ser. (?)
Roubaram-me o rumo, roubaram-me a "coisa com sangue" que pulsava em mim.
Quem ficou presa fui eu.
Quem ficou livre também.
Não sei. Mas faz frio e estou só.

Maus bocados





"A vida parece, 
dos olhos meus
uma pequena bolha 
de sabão pelo ar 
que pode estourar 

A qualquer custo
a qualquer momento 
as custas do tempo, 
do teu caminhar 

Com os olhos cinzentos 
que agora são meus 
e que em acalanto 
escorrem meu pranto 
que corre em meu peito 
até me estourar. 

Meus olhos são breus 
no escuro do medo, 
do meu pesadelo 
só existe você 
que me trouxe pra cá, 
pra eu me afogar 

Mas eu que era clara 
de corpo e de alma 
cinzenta fiquei 
por teus maus bocados 
teu riso folgado 
as custas dos meus 

meus risos ficaram 
e os teus são tão claros 
que podem matar 
meus olhos gelados 
um tanto salgados de 
tanto chorar."