quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Muro


O menino caminha.
E o sol racha-lhe o couro ainda jovem, tão gasto. E os lobos famintos (não mais que o menino) uivam ao meio dia.
O menino pensava que na parte de cima do mundo o sol queimava mais, estava mais perto. E ele via, na plantação torrada, sua certeza pingar em gostas quentes de suor.
Mamãe apague o cigarro, o calor já não te basta?
Mas mamãe parece não ouvir o sol torrando, seu filho gritando faminto ao meio dia.
Dia e meio se passaram, e passam assim os dias ensurdecendo mamãe, cozendo o caldo ralo e papai cadê?O sol torrou?
Menino quer uma bola, que não seja como aquela logo acima do seu chapéu, quer bola pra brincar, cansou de ver agua secar.
Queria ver mamãe sorrir, queria ver a chuva cair e talvez, quem sabe assim deixaria o sol menos quente.
O menino caminha e caminhando chega num muro.

domingo, 27 de novembro de 2011

Enterra minha voz


'Quanta máquina, maquinário
Quantos sonhos no armário
Vento sopra e nada leva
Vento sopra e tudo enterra

Quantas pontes a cair
Quantas vidas tem por vir
E você tão só assim
E você tão triste assim

Pra que medo de morrer
Pra que esse entristecer
Se enterrado e frio está
Se enterrada a voz está.'



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Anjo tão meu


'Em ti eu vejo o anjo
o santo e o homem
vejo também um punhado de mim
meus sonhos e afetos

... Em ti vejo e sinto de longe (tão perto)
seus pequenos olhos me fitando
então fecho olhos e cesso lágrimas
e feito cegueira fito o céu

Em busca de ti,
encontro com Deus.
Em busca de mim,
encontro uma busca,
sem fim.'

Juliana Galante

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Fundo do poço do mundo


'Não credes que desistir é tua conduta
determina teu destino e teu carma
Viver é a mais sublime luta
corpo a corpo, arma a arma

Formidável combate contra tudo e nada
Por conseguinte a fé reluz
Afronta, tenha coragem camarada
Afoita teu medo, carrega tua cruz

Audacioso e intenso brilha com ventura
Descobre teu medo e desembaraça teu nó
Desbrava-te com bravura
varre fora todo pó

Permeia tua alma impávido e bravo
Sua intrepidez é seu maior valor
Ousadamente seja valente escravo
E deixa que o mundo condena teu temor

Enfrenta essa pasmaceira que a de vir
E chegue ao fundo do poço do mundo
Esse mundo que nos quer partir
Mas que há de vir a ser fecundo

Emudece teu rancor
Deixa o mundo a rodar
mostra todo seu fulgor
e põe brilho nesse olhar. '

Juliana Galante

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Encruzilhada dos vermes


'Que medo, que nada!
Medo agente sente enquanto sonha
na vida, no dia claro ou nublado, o medo se vai
todo o êxtase, de todo ímpeto de vida!
O que nos resta é a melancolia, ou a indiferença dos dias duplicados.

Que sonho que nada!
Sonhos se vão com a lua cheia
na minha indiferença para com a bola brilhante
criei e recriei meus recreios
os intervalos da linha ininterrupta que é essa vida

Que vida que nada!
A adoração do eterno está na morte.
No fim, no último ponto, na encruzilhada.
O vai e vem, dos espíritos que me rodeiam e
que também não tiveram vida
Viviam mortos, embora funcionando.

Eu creio nos seres ímpares!
Creio não mais, nos seres sofridos e incrédulos
Creio eu que dias ímpares existirão,
ou já existiram e se extinguiram
da face da bola nem tão azul assim.

Creio na força,
na intensidade do nosso recreio,
no descanso eterno e interno.
Pobres seres pares que limparão os escrúpulos
dos mais variados estrupícios que cá foram mortos.
Pobre de mim que luto e tenho fé!
Pobre que sou, morrerei tristonha pela ingratidão que vem a me corromper, e me consome.
Me doando firmemente a esses vermes que me comerão, com voracidade!
E me devorarão como num banquete de palácio.
O palácio que foi este meu corpo, habitado por um só verme.
O qual levo ainda dentro de minhas entranhas.
E estranham os olhos arregalados ao me olhar de dentro para fora, como sempre foi.'

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Baboseiras


'Ganha-se flores
olhares, rancores
Ganha-se grana
os 'nobres' senhores
Ganhe-se sobras
das peçonhentas cobras
Ganhe-se o resto
como forma de protesto
Ganhe-se carinho
embebido em puro vinho

Perde-se amores
e beijos, e cores
Perde-se tempo
e todo o alento
Perde-se o desejo
em um só bocejo
Perde-se a fé
água a dentro, com a maré

Perde-se sílabas
em meio a tantas baboseiras
Perde-se sílabas
Perde-se síla
Perde-se sí
Perde-se.'





domingo, 6 de novembro de 2011

Meus olhos teus



'Quis viver noutro tempo,
mas quem sabe se virá
seus olhos meus
meus olhos teus
que um dia quis roubar

Me poupar do sofrer
bem mais quero o querer
de poder sofrer mais
mas sofrer por merecer
tanto os teus olhos, rapaz

Fui capaz de querer
e querendo escolhi
esses olhos brilhantes,
me roubando de mim
E roubada senti, o amor está aqui!

Caí, despenquei
madura na tua boca
no teu braço, me desfaço
lindos olhos que comovem
me envolvem como um laço

Que medo que nada
cegueira profunda
só me faz ver a ti
que me guia, alegria
sorrisos sem fim

Meus olhos tão seus
seus olhos nos meus
cores de flores, de jardins
confundo e misturo
lágrimas, línguas, afins.'



O Homem do Pricípo ao fim



'A décima segunda guerra mundial, como todos sabem, trouxe o colapso da civilização.
Vilas, aldeias e cidades desapareceram da terra. Todos os jardins e todas as florestas foram destruídas. E todas as obras de arte.
Homens, mulheres e crianças tomaram-se inferiores aos animais mais inferiores.
Desanimados e desiludidos, os cães abandonaram os donos decaídos.
Encorajados pela pesarosa condição dos a...ntigos senhores do mundo, os coelhos caíram sobre eles.
Livros, pinturas e música desapareceram da terra e os seres humanos ficavam sem fazer nada, olhando no vazio. Anos e anos se passaram.
Os poucos sobreviventes militares tinham esquecido o que a última guerra havia decidido.
Os rapazes e as moças apenas se olhavam indiferentemente, pois o amor abandonara a terra.
Um dia uma jovem, que nunca tinha visto uma flor, encontrou por acaso a última que havia no mundo. Ela contou aos outros seres humanos que a última flor estava morrendo. O único que prestou atenção foi um rapaz que ela encontrou andando por ali. Juntos, os dois alimentaram a flor e ela começou a viver novamente...
Um dia uma abelha visitou a flor. E um colibri. E logo havia duas flores, e logo quatro, e logo uma porção de flores. Os jardins e as florestas cresceram novamente. A moça começou a se interessar pela própria aparência. O rapaz descobriu que era muito agradável passar a mão na moça. E o amor renasceu para o mundo.
Os seus filhos cresceram saudáveis e fortes e aprenderam a rir e brincar. Os cães retornaram do exílio. Colocando uma pedra em cima de outra pedra, o jovem descobriu como fazer um abrigo. E imediatamente todos começaram a construir abrigos. Vilas, aldeias e cidades surgiram em toda parte. E a canção voltou para o mundo. Surgiram trovadores e malabaristas alfaiates e sapateiros pintores e poetas escultores e ferreiros e soldados e soldados e soldados e soldados e soldados e tenentes e capitães e coronéis e generais e líderes!
Algumas pessoas tinham ido viver num lugar, outras em outro. Mas logo as que tinham ido viver na planície desejavam ter ido viver na montanha. E os que tinham escolhido a montanha preferiam a planície. Os líderes, sob a inspiração de Deus, puseram fogo ao descontentamento.
E assim o mundo estava novamente em guerra. Desta vez a destruição foi tão completa que absolutamente nada restou no mundo...
Exceto um homem. Uma mulher. E uma flor.'

Millôr Fernandes
Me deixo guiar pelo coração.
Minha fé me guia, me mostra os caminhos, certos ou não, porém escolhidos de dentro para fora de acordo com meus parâmetros do que é bom ou ruim.
Eu sigo em direção àquilo que minha alma implora.
E tenho certeza que Deus me guia, daqui de dentro da minha alma, até o encontro de toda a paz que procuro.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Senhor das cores


'Comprei um balde de tinta
só me falta saber a cor
Comentei com meu senhor :
- A vida é pálida. Quero pintar!

Meu senhor sorriu de lado,
meia boca
dente amarelo, olhos azuis
A cor começou a chegar.
Peguei pincel, puxei o céu, me pus a pintar!

Meu senhor, não fuja não
o céu logo volta pro lugar
é que esse azul tá apagado,
pare com medo, com desespero
Pegue minha mão, vou te levar!

Escolha o tom, a cor pro mar
que tal laranja?Pra alegrar!
Meu senhor, é meu amor
sabe bem como me olhar.
E essas rugas de alegria, coloriam meu lar.

Gritei com força,
em um vermelho intenso:
- Encontrei o tom!
Meu senhor corra aqui.
Meu senhor?

Meu amor?
Em um tom pálido sorriu enfim.
Meia boca, dente amarelo, olhos azuis
A tinta secou,
eu cheguei ao fim.'


Juliana Galante

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Escarros azedos


'Não sinto mais suas palavras
brancas, caladas, e enrugadas.
E seus raios macios e vermelhos
engolem meus olhos
doces e cansados.

Já sinto a agonia, sinestesia.
Me anestesia esse vazio de dores,
e o peito vazio de rancores
sem cores,
não chora mais.

Os gritos, gemidos e escarros,
todos os cigarros
vou regurgitar.
Em ância de viver sem mais vômitos,
sem mais palavras

Sem seus gostos, cheiros e desgostos.
findo assim, sem fim.
Limpando todo esse vômito

todo esse azedume que morou em mim.'

Juliana Galante

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Pó de nós


'E o vento vem trazendo a brisa
E a brisa vem levando a alma
E a alma vai lavando a carne
E a carne volta para o fino pó
Pó deixando o vento só
... Só olhando tu partir
Tu partindo-me ao meio
Meio a meio, quero assim.
E querendo vou levando,
E levando chego ao fim.'

Juliana Galante